Marcel Proust

Marcel Proust

terça-feira, 15 de junho de 2010

Sobre a Leitura e Proust

Alors, quoi ? ce livre, ce n’était que cela ? Ces êtres à qui on avait donné plus de son attention et de sa tendresse qu’aux gens de la vie, n’osant pas toujours avouer à quel point on les aimait [...]; ces gens pour qui on avait haleté et sangloté, on ne les verrait plus jamais, on ne saurait plus rien d’eux.

Sobre a leitura
Marcel Proust


("E então? Esse livro, só era isso? Esses seres a quem nós demos mais de nossa atenção e de nossa ternura que as pessoas da vida, nem sempre ousando confessar a que ponto nós os amávamos [...]; essas pessoas pelas quais nós prendemos o fôlego e soluçamos, nunca mais nós os veremos, não saberemos mais nada deles?")


E as pessoas que lemos em uma sala de chat? Personagens do livro infinito que é essa vida escrita que vivemos "virtualmente" na internet, às vezes, as perdemos também, pela vida, como personagens de um romance.

sábado, 2 de janeiro de 2010

PROUST e RUBEM BRAGA

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Dois escritores no quarto andar


A última crônica do meu livro “Um pé de milho“ é sobre a rua Hamelin, de Paris “onde morreu Proust”, faço notar doutamente, e onde vivi eu.
Ao escrever aquela crônica eu ouvira cantar o galo, mas não sabia onde. Digo ali que “onde Proust morreu vive hoje um sindicato”. Era o que eu pensava na ocasião.
Eu vivia no quarto andar do número 44 e no segundo habitava meu amigo, o escritor gaúcho dom Carlos de Reverbel. Juntos fomos procurar o tal número onde morreu Proust e demos com o tal sindicato. Mas acontece que procurávamos um número errado. O verdadeiro – descobrimos depois – era o nosso 44 mesmo...
Não quero fazer pouco de Dom Carlos de Reverbel, mas eu sou um proustiano mais íntimo do que ele. É verdade que meus inimigos assoalham que eu jamais li, no duro mesmo, todos aqueles volumes, embora, em conversas de salão eu seja capaz de discretear sobre Swann, descrever Combray ou Balbec, falar de Albertina ou da senhora duquesa de Guermantes. “O Braga tem suas lantejoulas, mas não sabe as coisas“ - murmuram os invejosos.
Pois que se mordam de inveja: Proust morreu exatamente no apartamento do quarto andar, de número 44, onde eu vivi. Dom Carlos morava, eu já disse, no segundo; pode alegar a seu favor que várias vêzes foi ao quarto me visitar, o que o classifica, sem dúvida alguma, como o segundo proustiano do Brasil.
Leon Pierre-Quint conta que Marcel Proust alugou todo o quarto andar do edifício que então devia ser novo; ali morreu em 1922, ano em que pela primeira vez eu vinha ao Rio de Janeiro, vestido de marinheiro do “Encouraçado S. Paulo”, trazido pela minha irmã para ver a Exposição do Centenário. Eu tinha 9 anos de idade, nunca ouvira falar de Proust e estava longe de supor que 25 anos depois iria dormir na cama em que ele morria aquele ano. Mais pobre do que Marcel, aluguei apenas o grande quarto de frente com uma entradinha e um banheiro, o que me custava 6 mil francos em 1947; não era caro, levando-se em conta que nesse tempo eu era casado.
Conta Leon Pierre-Quint que Proust escolheu um quarto muito frio (não diz qual) temendo que a calefação central fizesse mal à sua asma. Não posso afirmar, mas devia ser o meu quarto; era friíssimo. Imagino quantas vezes êle não se quedou, como eu, a olhar a rua lá embaixo, pela vidraça encardida, a esfregar as mãos de frio. Ah, bem que notei certos estremecimentos nas cortinas e pressenti, no tapête desbotado, o rasto de antigos pés que o pisaram em noites de insônia, e vagas nódoas de remédio. Posso informar com a maior segurança que, pelo menos nos últimos anos de sua vida, Proust não tomava banho de chuveiro. Não havia chuveiro na casa. Encontrei uma banheira com manchas de sujos imemoriais; mandei lavá-la, esfregá-la, flambá-la com álcool, mas nem assim me animei a tomar um banho nela; preferi comprar um chuveirinho de borracha que adaptamos à pia. Eu não podia adivinhar que era a banheira de Proust...
Às vezes, pela madrugada - conta o biógrafo – Proust despachava Odilon em um táxi para procurar algum amigo que viesse conversar com êle. Imagino-o perfeitamente à espera, escutando o ruído agônico do pequeno elevador que, no quarto andar, para perigosamente entre dois degraus da escada, uma velha escada sempre às escuras em que os passos reboam absurdamente alto. O amigo o encontrava na cama, com um lenço no pescoço, todo vestido sob os cobertores, com luvas de algodão, vários pares de meias e o plastron branco sobre a camisa amarrotada, no quarto fechado cheirando a remédios, a asma, a fumigações, a Proust. Eu positivamente ainda recolhi ali um pouco desse cheiro, dentro do qual foi escrito o último volume de “Sodoma e Gomorra”; homem bárbaro de um país semibárbaro, me lembro de que muitas vezes combati esse cheiro abrindo de par em par as portas que dão para o corredor, formando corrente de ar para grande pânico da arrumadeira, Ah, se eu soubesse aproveitar bem aquele cheiro, que coisas sutis não haveria escrito no lugar das croniquinhas triviais que eu mandava para “O Globo”!
Proust cochilava três dias à custa de veronal, depois ficava três dias desperto à custa de cafeína, falando de literatura, de pintura (esses jovens: Giraudoux, Picasso...) recitando Anatole ou Baudelaire, discutindo finanças e mundanismo, falando em mandar vir seus livros, seus móveis, suas coisas, o que nunca mandou fazer.
Também tive minhas noites de insônia na Rue Hamelin; não terá ficado dentro de mim um pouco da angústia proustiana? Seria distintíssimo, mas receio que não; três copos de Beaujolais me punham facilmente em boa forma.
De qualquer forma, os jovens intelectuais que quiserem escrever sobre Proust devem me consultar para “fazer ambiente”. Posso, por exemplo, descrever o cubículo em que a concierge lá embaixo uma velha, positivamente a mesma da era proustiana) está sempre fazendo contas, passando roupa a ferro ou espichando o nariz para ver quem entra, quando não atende ao telefone com sua voz chorosa: - Passy, soixante-et-un deux fois...”
Tomem nota, rapazes : é o antigo telefone do Proust e do Braga...

Rio, maio, 1958

(BRAGA,Rubem. Ai de ti Copacabana.
Rio de Janeiro: Editora do Autor,1960)
depois escrevo

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

ANTES DE PROUST, LIA-SE MÁRIO FAUSTINO

22 de outubro, aniversário de Mário Faustino

Nascido em Teresina, no Piauí, a 22 de outubro de 1930 e morto em 1962, em um acidente de avião, que explode no ar, no Pico do Cerro de Las Cruces, nos Andes, a 32 quilômetros do sul de Lima, Mário Faustino ainda guarda sobre si o véu do desconhecido.

Viveu em Belém de 1940 a 1956, ano em que se muda definitivamente para o Rio de Janeiro, onde passa a assinar uma página do Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, após a reforma ocorrida nesse periódico. Com sua experiência de jornalista, Mário dedicou-se a um empreendimento literário até então inédito no Brasil: passou quase três anos (de 1956 a 1958) organizando a página inteira dedicada ao conhecimento, à divulgação e à crítica de poesia. Criou, sob o título de Poesia-Experiência, uma espécie de suplemento dentro de outro, cujo lema era “repetir para aprender, criar parar renovar”. Para Mário Faustino, existe uma “cultura da poesia” que emana das obras, tendências, técnicas e temáticas que formam a tradição viva em que o poeta deve inspirar-se para criar algo novo, que una os elementos perduráveis do passado à substância do presente. A sua foi uma das primeiras críticas totalmente voltadas à poesia e a primeira, de caráter instrumental e didático. A página que assinava tinha várias seções: Poeta Novo, divulgando poemas de autores jovens; O Melhor em Português, lembrando poetas clássicos portugueses; É Preciso Conhecer, apresentando poetas modernos traduzidos; Clássicos Vivos, divulgando poetas de todos os tempos e todas as línguas; Subsídios de Crítica ou Textos e Pretextos para Discussão, com trechos de críticos do mundo todo; ensaios em série (Diálogos de Oficina, Fontes e Correntes da Poesia Contemporânea e Evolução da Poesia Brasileira); uma pequena antologia à guisa de exemplo da linguagem poética, sob o título de Pedra de Toque. Os Diálogos de Oficina representam o lado teórico da experiência prática de elaboração de sua obra O Homem e sua Hora. Nesses diálogos, o poeta expõe idéias sobre a função do poeta, a natureza da poesia e as relações entre o poeta e o mundo, entrelaçando, pois, vida, poesia e crítica-teórica e defendendo uma “profissão de fé poética”.

Em vida, Mário Faustino publicou somente um livro: O Homem e sua Hora, composto de vários poemas curtos e de um poema longo que dá título ao livro. Nesse poema – longo diálogo de Mário Faustino com o mundo –, nada se afirma, muito se indaga, tudo é sugerido. O poema participa da “única vaga pelo mundo” de que fala Saint-John Perse, inicia e acaba com reticências, constituindo, por assim dizer, o marco divisório entre os poemas anteriores do mesmo livro – “Esparsos e inéditos” – e os posteriores a essa publicação, aqueles que compõem o que Mário Faustino chama de “obra-em-progresso”, que não foi realizada em definitivo. Obra que foi programada e interrompida, sendo a própria morte o seu último poema, limiar de fim e de início, sucedendo a versos premonitórios de vida e morte.
Lilia Silvestre Chaves

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Ensinar literatura é ensinar a ler...

Segundo Ezra Pound, "a ambição do leitor pode ser medíocre e a ambição de dois leitores não há de ser idêntica. O professor só pode ministrar os seus ensinamentos àqueles que mais 'querem' aprender, mas ele pode sempre despertar os seus alunos com um 'aperitivo', ele pode, ao menos, fornecer-lhes uma lista das coisas que vale a pena aprender em literatura ou em um determinado capítulo da [literatura]".

... LIVRO

Um livro não tem autor, mas um número infinito de autores. Pois, àquele que o escreveu acrescenta-se de pleno direito no ato criador o conjunto daqueles que o leram, o lêem ou o lerão. Um livro escrito, mas não lido, não existe plenamente. Não possui senão uma semi-existência. É uma virtualidade, um ser exangue, vazio, infeliz que se esgota em um apelo à ajuda para existir. O escritor o sabe, e quando ele publica um livro ele deixa na multidão anônima dos homens e das mulheres, uma nuvem de pássaros de papel, vampiros secos, sedentos de sangue, que se espalham em busca de leitores. Apenas um livro se abate sobre um leitor, enche-se com seu calor e com seus sonhos. Floresce, desabrocha, torna-se enfim o que ele é: um mundo imaginário foisonnant, em que se misturam indistintamente – como no rosto de uma criança, os traços de seu pai e de sua mãe – as intenções do escritor e os fantasmas do leitor.


M. Picard